27.10.16

O golpe de estado no Chile contado por Renzo Rossellini.

Roberto Rossellini e Salvador Allende.

Eu produzi muitíssimo cinema militante naqueles anos. Porque enquanto continuava a desenvolver ao lado de meu pai uma atividade profissional, paralelamente eu era politizado e me apaixonava pelos movimentos de liberação, como aquele argelino. Sentia que podia dar minha total adesão aos oprimidos daquela luta, para mim existia a escolha própria de me colocar ao lado dos oprimidos, assim encontrei-me vivendo uma experiência da qual acompanhei sua internacionalização: depois da Argélia, Cuba e todo o movimento na America Latina, sucessivamente no Vietnam, o movimento de liberação africano nas colônias portuguesas etc. Existia uma coligação entre todos esses movimentos e aqueles que cresciam também na Europa, e eu me envolvi como pude, com instrumentos que eram aqueles do cinema, também bastante sofisticados, porque eu tinha despertado minha consciência, evoluído tecnicamente ao lado de meu pai, Roberto Rossellini, portanto em uma escola humanista, e não unicamente política. Comecei a girar o mundo, a criar coligações com pequenos grupos de produção cinematográfica. Com essa experiência e com esse retro-terra comecei a trabalhar muito também na America Latina, na Argentina, no Brasil, no Chile. Me encontrei próximo a Allende durante a primeira campanha eleitoral de 64, que ele perde, e essa experiência chilena eu segui até os anos 70’, na segunda campanha eleitoral, que Allende vence. Forma-se agora no Chile uma estrutura que se chamava “Chile no mundo” para dar informações sobre o processo chileno e sensibilizar os setores intelectuais através de uma campanha que se chamava “operação verdade”. Foram grandes experiências, trágicas também. Tudo somado, filmes nós fizemos tantíssimos, em todos esses países, e inevitavelmente eu tropecei em dificuldades de compromisso político. Coloquei-me em posição defensiva, pois se acumulavam as denúncias e iniciava a ter dificuldades na relação com a Instituição da Justiça, que começara a criminalizar os valores em que eu acreditava, e eu fiquei muito ressentido. Em 70-71 o Chile viveu um momento muito difícil porque a imprensa internacional, fomentada dos Estados Unidos, dava uma imagem muito negativa da situação e do processo político chileno. Allende disse que considerava importante deixar uma entrevista em que lhe fosse dada a possibilidade de exprimir os verdadeiros conteúdos de seu programa, para contrastar as deformações de que era vítima, eu propus que ele deixasse uma entrevista filmada ao papai, propriamente para tentar com a combinação do nome dos dois, de chegar em muitas televisões. Papai era em Nova York, lhe telefonei e ele vem ao Chile cheio de entusiasmo. Trabalhamos junto com Allende por três dias para preparar a entrevista e depois gravamos. Depois, porem, ficou na gaveta até a morte de Allende porque nenhuma televisão quis transmiti-la. É uma entrevista estupenda, o encontro entre dois utopistas e um marxista utopista. É um verdadeiro e próprio confronto de ideias sobre o mundo, que porém foi recusado pelas televisões, também pela italiana, somente depois da morte de Allende. Os anos 70 foram uma grande reviravolta de tudo porque houve uma grande mudança política, o movimento do terceiro mundo foi profundamente poluído de uma ingerência de tipo conspirativa, iniciou-se a falar muito de luta armada e, segundo minha opinião, muito despropositado, e sobretudo no momento em que a União Soviética tentava controlar esse movimento infiltrando os seus agentes. Foi então que da minha parte comecei a dissociar-me dessa tendência de movimentos. Pessoalmente, depois, vivi um trauma político e pessoal terrível quando em 73, no Chile, aconteceu o golpe, quando centenas de pessoas com quem havia colaborado e havia uma relação muito intima foram assassinadas em poucos dias e me encontrei circundado de um panorama assustador de morte...  Renzo Rossellini em Faldini; Fofi (1984)[1].




[1] Il cinema italiano d’oggi 1970-1984- Raccontato dai suoi protagonisti (trad.: Luiz Chiozzotto).