8.12.16

A jornada de trabalho como espaço de controle e dominação: uma análise sob a ótica da obra Vigiar e Punir de Michel Foucault



Sandra Oliveira Mayer Barros
Luiz Chiozzotto


Resumo

Mesmo com os avanços científicos e tecnológicos que a humanidade presenciou no último século, o ideário de que o tempo livre ganharia espaço na vida do trabalhador, não se realizou. É cediço que a história recente do homem que vive a sociedade do capitalismo manipulatório burguês tem sido dominada pela presença da intensificação, precarização e exploração da classe-que-vive-do-trabalho. Percebe-se que a classe que detém os meios de produção se esquiva de todo diálogo que vise promover a redução da jornada de trabalho. Percebe-se que esta redução da jornada de trabalho pode trazer em muitos casos benefícios conjuntos para os sujeitos da relação trabalhista, mas mesmo assim, a classe patronal não cedeu aos anseios da classe trabalhadora. O objetivo deste artigo é examinar de forma pormenorizada o espaço que ocupa a jornada de trabalho,através de uma leitura de base analítica foucaultiana das relações de controle, vigilância e poder disciplinar utilizando fundamentalmente a obra de Foucault Vigiar e Punir. Busca-se investigar se a negativa em reduzir a jornada de trabalho é resultado de um receio de perda da dominação do empregador sobre o trabalhador. Será feita a princípio uma investigação teórica acerca da luta histórica pela redução da jornada de trabalho, como resultado de um embate de poderes, seus avanços, retrocessos e resistências e num segundo momento, a investigação se concentrará em identificar na resistência de cariz burguês os elementos presentes na obra Vigiar e Punir. A investigação permite considerar que na jornada de trabalho ocorre o exercício do poder, da dominação, da vigilância e do controle do empregador-patrão sobre o empregado de forma que todo tempo a menos no trabalho é tempo a menos de dominação. A redução da jornada de trabalho propicia a quebra das amarras do sistema histórico de dominação capitalista. Por fim, pode-se identificara dominação, o controle, a vigilância e a disciplina como elementos estratégicos ao funcionamento da estrutura social do sistema capitalista e obstrutores da histórica demanda pela redução da jornada de trabalho.


Palavras-chave: Foucault. Jornada de trabalho.



1 Introdução

Mesmo com os avanços científicos e tecnológicos que a humanidade presenciou no último século, o ideário de que o tempo livre ganharia espaço na vida do trabalhador não se realizou. É cediço que a história recente do homem que vive a sociedade do capitalismo manipulatório burguês tem sido dominada pela presença da intensificação, precarização e exploração da classe-que-vive-do-trabalho.
Percebe-se que a classe que detém os meios de produção se esquiva de todo diálogo que vise promover a redução da jornada de trabalho. Percebe-se que esta redução da jornada de trabalho pode trazer em muitos casos benefícios conjuntos para os sujeitos da relação trabalhista, mas mesmo assim, a classe patronal não cedeu aos anseios da classe trabalhadora.
O objetivo deste artigo é examinar de forma pormenorizada o espaço que ocupa a jornada de trabalho, através de uma leitura de base analítica foucaultiana das relações de controle, vigilância e poder disciplinar utilizando fundamentalmente a obra de Michel Foucault Vigiar e Punir.
Busca-se investigar se a negativa em reduzir a jornada de trabalho é resultado de um receio de perda da dominação do empregador sobre o trabalhador. Será feita a princípio uma investigação teórica acerca da luta histórica pela redução da jornada de trabalho, como resultado de um embate de poderes, seus avanços, retrocessos e resistências e num segundo momento, a investigação se concentrará em identificar na resistência de cariz burguês os elementos presentes na obra Vigiar e Punir.

2 A jornada de trabalho na vida humana

A sociedade moderna e sua dinâmica central como uma “sociedade do trabalho” foi apoiada pelas teorias clássicas da Sociologia burguesa e da Sociologia marxista, em que a categoria trabalho firmou-se como o fato sociológico fundamental (OFFE, 1989). Esta centralidade também é tratada por Lucáks (2012), que posiciona a categoria trabalho de forma central em sua Ontologia tendo em vista que o trabalho é um fenômeno originário, é a protoforma do ser social. Para Lucáks (2012), é o trabalho que propicia o salto ontológico, que converge o indivíduo de uma forma pré-humana para uma forma social.
O mesmo fenômeno originário da passagem do ser orgânico para o ser social  (LUCÁKS, 2012) é tratado por Marx (1983) que diferencia o homem em relação aos demais animais e à natureza.


Contudo, Lafargue (1999), genro de Marx, afirmou que o reino da  liberdade  requer a  supressão  do assalariamento  e  do trabalho. Suas provocações são cheias de vida, explicitando o âmago da questão atemporal (1999, p. 04):

Uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho, levado até ao esgotamento das forças vitais do indivíduo e da sua progenitora. Em vez de reagir contra esta aberração mental, os padres, os economistas, os moralistas sacrossantificaram o trabalho.

Os debates em torno da jornada de trabalho aumentaram quando se passou a discutir sobre o extraordinário salto tecnológico que a humanidade presenciou. A lógica reinante entre os estudiosos do trabalho e do tempo livre é a de que o incremento da tecnologia em prol da redução da jornada de trabalho poderia redundar em aumento do tempo livre. Esta perspectiva foi explorada por Keynes (1997) em 1930, que vislumbrou que de lá a 100 anos, a humanidade poderia, por conta dos avanços do progresso técnico e das imensas potencialidades das forças produtivas no capitalismo, diminuir sua jornada de trabalho e aumentar seu tempo livre, permitindo a conscientização individual e plena do ser.
Para Russel (2002) na lógica capitalista de produção, uma minoria dominadora de origem burguesa explora uma maioria de trabalhadores alienando-os para retirar-lhes o tempo livre apoderando este para si, valendo-se a seu tempo da tecnologia disponível e propulsora de tempo livre e a consequente possibilidade de ócio aos trabalhadores. O tempo livre, se não tivesse sido usurpado pela classe capitalista, seria ocupado de maneira a oferecer ao trabalhador o lazer e o estudo dentro da proposta de uma nova organização social (em uma proposta de uma jornada de trabalho de quatro horas) elevando o indivíduo a uma categoria superior, o que poderia promover o desenvolvimento humano, permitindo-o ocupar-se apenas de sua subsistência (RUSSEL, 2002).

3 A construção da jornada de trabalho contemporânea

Com o protestantismo de Lutero o trabalho se converteu como fonte de riqueza, dignidade e função centralizadora na vida humana, sendo entendido como uma forma de servir a Deus, e de afastar-se do pecado, da mesma forma que a noção de predestinação, idealizada por Calvino, intensificou este concepção cristã de trabalho (SILVA; TORRES, 2010). A ideologia protestante, em que pese ter questionado as indulgências da Igreja Católica, inseriu no trabalho um caráter de caminho para o divino, estimulando o labor e a acumulação, considerando o ócio, a ausência de trabalho, a desocupação, atos indignos e não sujeitos às benesses divinas (WEBBER, 1996).
O trabalho, que se incorpora ao pensamento social, ganha ares de dever e a ideia do dever, historicamente falando, foi um meio usado pelos detentores do poder para convencer os trabalhadores a dedicarem suas vidas ao benefício deles, mais do que aos interesses dos próprios trabalhadores” (RUSSEL, 2002, p. 27).
Mills (1976) afirma que foi na teleologia de Marx que o trabalho adquiriu um sentido precípuo e vital para a vida humana posto que na sua teleologia, essa concepção de trabalho passa a ser contestada, sendo não apenas forma que aquisição de riqueza, mas também, a forma de exploração de trabalho, instrumento de mais valia, alienação e dominação. Assim em sua obra Marx expôs o caráter duplo do trabalho: positivo como fator constituinte do ser social humano e, negativo, quando torna o indivíduo, espoliado dos meios de produção, uma mercadoria alienada.
Na aurora do capitalismo comercial (séculos XVI ao XVIII) e passagens para o capitalismo industrial (século XVIII), e da manufatura para a grande indústria, momento de gênese da Revolução  Industrial (séculos XVIII e XIX), ocorre uma  extensão  progressiva  da  jornada  de  trabalho. Esta passagem soldou de vez a perda da liberdade pessoal – não havia mais possibilidade de escolha para o operário de quando trabalhar e quando não trabalhar. Percebe-se aqui que a grande indústria aumentou a quantidade de assalariados (incluindo mulheres e crianças) e o controle do tempo do trabalho.
Neste período a jornada de trabalho se dava pelo controle da máquina e a necessidade de sincronismo com ela altera-se o ritmo da vida do homem que passa a ser controlado não mais biologicamente, mas sim, pelo tempo da máquina (THOMPSON, 2005) que era de propriedade da burguesia.Assim percebe-se que a burguesia passa a ditar e organizar o tempo dos que não detém os meios de produção. Ela assim o faz para legitimar o modo de produção que busca impor.
O período Pós-Revolução Industrial foi marcado por uma profunda referência ao trabalho, tanto na estruturação social como na produção do sujeito moderno (BRAMÃO, 2000). Até meados do século XX o modo de produção e acumulação capitalista que se estabeleceu foi o fordismo/taylorismo, que trazia um “pacto” entre a burguesia e o movimento operário, em troca da renúncia do “sonho socialista” e da adaptação ao novo processo produtivo (ALVES, 2000; MARCELINO, 2002). Neste período a jornada de trabalho chegou a limites sobre-humanos e a linha de montagem das fábricas alienou o trabalhador, tornando ele uma mercadoria.
A falência do regime de acumulação fordista começou a ser sentida entre o fim dos anos 60 e começo dos anos 70 e este processo de mudança de paradigmas denunciou as condições de trabalho alienantes dos trabalhadores sob o regime fordista gerando uma crítica social à centralidade do trabalho na vida das pessoas (BIHR, 1998; MARCELINO, 2002). A crise estrutural do capitalismo (conceito lapidado por Mészáros) iniciada na década de 1970 teria repercussões que atingiram, entre outros campos da vida social e psicológica dos trabalhadores.
Após a crise estrutural do capital surge o movimento de acumulação flexível e sua mundialização do capital e da lógica financeira.Uma das principais consequências  desse movimento foi a desregulamentação e flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho, orientada por um forte ataque do Estado e do capital conta a classe trabalhadora (ANTUNES, 2009).Para Mészáros (2009), a reestruturação do capital exigiu uma intensificação da exploração da mão de obra e aumento do tempo dedicado ao trabalho (acumulação flexível[1]).
Para os patrões, o que se busca é o aprisionamento da psique do trabalhador de modo a fazê-lo dedicar-se ao máximo para o trabalho, com disponibilidade total, degradando o tempo de não-trabalho(GAULEJAC, 2007).Com o paradigma Toyotista ocorreu uma intensificação do trabalho nunca vista antes (DAL ROSSO, 2008), e junto com as transformações tecnológicas, mais produtividade foi obtida, contudo, o tempo dedicado ao trabalho não diminuiu.

Na empresa moderna, a ordem é manter o indivíduo em um estado de disponibilidade permanente (dentro e fora da organização). A jornada de trabalho de 5 dias de trabalho por 2 dias de descanso(em que pese a variação desta jornada em muitos países e das flexibilizações regionais e setoriais) não basta para o domínio organizacional, estreitando a linha divisória ente o tempo de trabalho e o tempo livre. Trata-se da idealização do manager hipermoderno (GAULEJAC, 2007).

4 A jornada de trabalho e suas transcendências

Para De Masi (2000), a fantástica sociedade pós-industrial de Taylor e Ford ao invés de aproveitarem as inovações tecnológicas para produzir a mesma quantidade de bens em menor tempo (e reduzirem a jornada de trabalho) favoreceram a produção de mais bens no mesmo tempo, alimentando assim, além do necessário progresso, também uma espiral de consumo, que em algum momento da história encontraria a saturação do mercado[2].
Para a oferta de produtos sem demanda, as empresas preferiram demitir trabalhadores em vez de reduzir a carga horária de trabalho, alimentando assim a exploração e o espectro do desemprego – o trabalhador com medo de perder o emprego, passa a trabalhar mais e se doar mais ainda ao trabalho (DE MASI, 2000) o que acaba por impelir grande parte dos trabalhadores a aceitar uma pequena parte da riqueza socialmente produzida (KEYNES, 1997).
Para De Masi (2000), vivemos a sociedade do crescimento, mas numa estrutura social que foi construída em torno do trabalho. Contudo, falta trabalho na sociedade do trabalho (ARENDT, 1981). Para a falta de trabalho, os teóricos se debruçam e a redução da jornada de trabalho é solução recorrente. Keynes (1997) demonstrou diversos elementos que são atemporais. Para o problema do falta de emprego ele faz uma proposta de trabalho de turnos de três horas e semanas de 15 horas, possibilitando que o pouco de trabalho que existe seja bem dividido (vejamos que o texto foi escrito em 1930, logo após a crise de 1929) e com esta organização do trabalho, Keynes conclui que “três horas de serviço, de fato, são mais do que suficientes para satisfazer o velho Adão que existe em casa um de nós”.Com este formato de organização poderia eliminar-se o fantasma do desemprego e reduzir a jornada de trabalho.
Contudo, para Gorz (2007), a grande indústria prega às massas que “o trabalho corre o risco de faltar - ao invés de falarem a verdade, qual seja, que não há necessidade de tanto tempo dedicado ao trabalho”.
Na seara da redução do tempo de trabalho, nota-se que os países ricos optam pelo desemprego ao invés da redução da jornada de trabalho, tanto para manter seus lucros, como para manter os trabalhadores que restam disciplinados (DE MASI, 2000).
Percebe-se na trajetória histórica,  uma redução gradativa da jornada de trabalho desde a década de 30, que levaram muitos teóricos a preconizar a Sociedade do Lazer[3]. De sessenta para trinta e até vinte horas semanais (algumas categorias profissionais, principalmente aquelas que desenvolvem atividades que podem comprometer a saúde física ou psíquica ganharam jornadas diferenciadas) muitos acreditaram que a redução continuaria. Contudo, esta redução parou nas 8 horas diárias, cinco dias por semana de trabalho e dois (no máximo) de descanso. Não ouve mais conquistas a partir de então.

A teoria marxista deve ser conclamada aqui. O tempo excedente dedicado ao trabalho imposto pelos detentores dos meios de produção é cada vez maior em função do grau de intensidade que se trabalha, tanto quanto como pelo seu incremento. Este tempo excedente, se não estivéssemos no raiar capitalista, poderia ter sido revertido em tempo livre para o trabalhador. Contudo, esta sobra de tempo passa a ser usada como mais-valia, para o enriquecimento e acumulação dos capitalistas (FARIA; RAMOS, 2014).

Ou, como afirma Marx, nesta passagem (1983, Vol. I, p. 255):
O desenvolvimento da força produtiva do trabalho, no seio da produção capitalista tem por finalidade encurtar a parte da jornada de  trabalho  durante  a  qual  o trabalhador  tem  de  trabalhar  para  si  mesmo,  justamente  para  prolongar  a  outra  parte  da  jornada durante a qual pode trabalhar gratuitamente para o capitalista.
Ainda para Marx, a condição primordial do desenvolvimento humano e da emancipação do ser humano é a redução da jornada de trabalho (MARX, 1989).

5 Vigiando e Punindo: a jornada de trabalho como locus e spatium de controle e dominação e como instituição disciplinar do modo de produção capitalista

Até este momento exploramos as dificuldades em se estabelecer uma redução na jornada de trabalho ao longo das últimas décadas e para tanto nos detivemos sobre uma visão histórica dos movimentos dos modos de produção e produção de mercadorias. A partir deste momento nos deteremos sobre a jornada de trabalho em si, posta como é na sociedade capitalista atual.
Partimos do ponto de vista de que o trabalhador dentro de uma organização é peça fundamental para a obtenção de lucros para o empregador e por conta disso, a redução da jornada de trabalho encontra uma enorme barreira patronal. Mas entendemos que não se trata somente disso. Para explicar nossa hipótese faremos uma tentativa de traçar um paralelo entre a literatura descrita em Vigiar e Punir do filósofo francês Michel Foucault (1926 – 1984) e as dificuldades em se obter uma redução na jornada de trabalho. Em nossa análise buscamos fazer uma analogia da jornada de trabalho como locus do poder disciplinar e espaço de dominação e controle impostos pelos detentores dos meios de produção sob a égide do sistema capitalista de produção.
Pede-se escusas desde já pelo uso de citações diretas e literais da obra de Foucault, mas as palavras do autor são tão cabíveis que não haveria outra maneira de melhor expor senão literalmente.
 Em sua obra Vigiar e Punir (publicada em 1975) Michel Foucault trata da dominação imposta aos corpos nos processos disciplinares, trazendo reflexões bastante incisivas afirmando que as fábricas se assemelham às prisões. Isto porque em ambas as instituições encontra-se um poder denominado disciplinar. Este poder se traduz em uma individualidade (celular, orgânica, genética e combinatória) e corpos disciplinados (dóceis e úteis). Este disciplinamento faz parte do modo de produção capitalista (FOUCAULT, 1987, p. 244):

Por isso, o desenvolvimento da economia capitalista fez apelo ao poder disciplinar: na verdade os dois processos, acumulação de homens e acumulação de capital, não podem ser separados; não teria sido possível resolver o problema da acumulação de homens sem o crescimento de um aparelho de produção capaz ao mesmo tempo de mantê-los e de utilizá-los; inversamente, as técnicas que tornam útil a multiplicidade cumulativa de homens aceleram o movimento de acumulação de capital. Em um nível menos geral, as mutações tecnológicas do aparelho de produção, a divisão do trabalho, e a elaboração das maneiras de proceder disciplinares mantiveram um conjunto de relações muito próximas. Cada uma das duas tornou possível a outra, e necessária: cada uma das duas serviu de modelo para a outra.

Para Meneghettie  Sampaio (2016) a disciplina é elemento fundamental no modo de produção capitalista e tal foi bem observado por Marx que comparou a disciplina de quartel com o código fabril (2016). Para Meneghetti e Sampaio (2016, p. 139).

Na fábrica dominada pela maquinaria, onde o patrão é o legislador absoluto, existe um código disciplinar que estabelece o que o operário deve fazer e o que ele não pode fazer. Em caso de inobservância, punições como multas e descontos de salário. Assim como o quartel está dividido entre soldados e suboficiais, a fábrica tem sua divisão entre trabalhadores manuais e capatazes.

Para Foucault, “o soldado tornou-se algo que se fabrica” (FOUCAULT, 1987, p.162). Neste sentido pode-se notar que ao ser contratado para uma organização muitas vezes o empregado vem com uma mentalidade e ao adentrar nos tramites e normas do emprego, acaba sendo moldado pela empresa. Pode-se encontrar facilmente (em especial no Toyotismo) sinais de que a empresa modela, treina, cria obediência no empregado. Para Foucault “O Homem-máquina de La Mettrie é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de “docilidade” que une ao corpo analisável o corpo manipulável” (FOUCAULT, 1987, p. 163).
Seguindo nosso paralelo, as dificuldades em se reduzir a jornada refletem o contragosto dos empregadores detentores dos meios de produção, posto que o tempo a menos no trabalho é tempo a menos de disciplinar o corpo e a mente do trabalhador, de não poder exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica — movimentos, gestos atitude, rapidez: influenciando o corpo ativo.
Para Foucault, “os métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que  realizam  a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que  podemos chamar as disciplinas” (FOUCAULT, 1987, p.164) e estas disciplinas visam tornar o corpo obediente e útil. E percebe-se que no sistema capitalista de produção é exatamente isso que ocorre.
Em Vigiar e Punir, as instituições disciplinares como colégios, escolas primárias, hospitais, organizações militares fabricam corpos submissos e exércitos, corpos "doceis", que se entrelaçam com a particularidade dos regulamentos, com o olhar esquadrinhado das inspeções, que passam a exercer o controle das pequenas partes da vida e do corpo.
Durante a jornada de trabalho, este espaço de dominação ganha esta esfera e atualmente, com o homework, a empresa passa a controlar não só o tempo que o empregado trabalha dentro da organização, mas também o trabalho fora da organização. O discurso moderno do homework mascara novas formas de controle que envolvem principalmente os jovens que se encantam com a modernidade cibernética proporcionada pelos trabalhos em rede.
A fábrica de Foucault parece claramente  um  convento,  uma  fortaleza,  uma  cidade fechada. O controle do tempo e do espaço é uma estratégia do patrão para  concentram  as  forças  de  produção,  e tirar  delas  o  máximo  de vantagens  e  aniquilar  seus  inconvenientes  (roubos,  interrupção  do  trabalho, agitações e “cabalas”); além de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho (FOUCAULT, 1987).
Outra estratégia de controle prevista em Vigiar e Punir e plenamente aplicável à jornada de trabalho moderna é o denominado quadriculamento.  Para Foucault o quadriculamento coloca cada “indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo (FOUCAULT, 1987, p. 169). O quadriculamento é nada mais que a distribuição por setores milimetricamente construídos de forma a evitar amizades e dispersões: “distribuições por grupos; decompor as implantações coletivas; analisar as pluralidades confusas, maciças ou fugidias (FOUCAULT, 1987, p.169).

O ambiente de trabalho então necessita de uma organização que (FOUCAULT, 1987, p. 169):

(...) anule os efeitos das repartições  indecisas,  o  desaparecimento  descontrolado  dos indivíduos,  sua  circulação  difusa,  sua  coagulação  inutilizável  e  perigosa;  tática  de anti deserção, de anti vadiagem, de anti aglomeração. Importa estabelecer as presenças e  as  ausências,  saber  onde  e  como  encontrar  os  indivíduos,  instaurar  as comunicações  úteis,  interromper  as  outras,  poder  a  cada  instante  vigiar  o comportamento  de  cada  um,  apreciá-lo,  sancioná-lo,  medir  as  qualidades  ou  os méritos.  Procedimento,  portanto,  para  conhecer,  dominar  e  utilizar.  A disciplina organiza um espaço analítico.

A jornada de trabalho com seu aspecto organizador físico apresenta os elementos que Foucault descreve como um mecanismo em que se distribuem trabalhadores num espaço onde se possa isolá-los e localizá-los; por outro lado usa-se a distribuição dos corpos, a arrumação espacial do aparelho de produção e as diversas formas  de  atividade  na  distribuição  dos  “postos” para inspecionar  os homens,  constatar  sua  presença  e  sua  ausência,  e  constituir  um  registro  geral  e permanente  dos indivíduos (FOUCAULT, 1987).
Foucault também cita o controle do horário como uma velha herança e instrumento de controle da atividade: “O rigor do tempo industrial guardou durante muito tempo uma postura religiosa;  no  século  XVII,  o  regulamento  das  grandes  manufaturas  precisava  os exercícios que deviam escandir o trabalho“ (FOUCAULT, 1987, p. 175).
Percebe-se que a jornada de trabalho, que deveria engrandecer o ser humano, aprisiona sua subjetividade, não deixando espaço para seu ser como pessoa. Mas, por outro ladoprocura-se também garantir a qualidade do tempo empregado:  controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo o que possa perturbar e distrair; trata-se de constituir um tempo integralmente útil (FOUCAULT, 1987, p. 176).
Neste mesmo sentido “o  tempo  medido  e  pago  deve  ser  também  um  tempo  sem  impureza  nem defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu exercício. A exatidão e a aplicação são, com a regularidade, as virtudes  fundamentais  do  tempo  disciplinar” (FOUCAULT, 1987, p. 177).
Na ótica Foucaultiana, “a disciplina define cada uma das relações que o corpo deve manter  com o objeto  que  manipula.  Ela  estabelece  cuidadosa engrenagem entre um e outro” (FOUCAULT, 1987, p.178).
Desta forma (FOUCAULT, 1987, p.179):
o princípio que estava subjacente ao horário em sua forma  tradicional  era  essencialmente  negativo;  princípio  da  não-ociosidade;  é proibido perder um tempo que é contado por Deus e pago pelos homens; o horário devia  conjurar  o  perigo  de  desperdiçar  tempo  —  erro moral  e  desonestidade econômica.  Já  a  disciplina  organiza  uma  economia  positiva;  coloca  o  princípio  de uma  utilização  teoricamente  sempre  crescente  do  tempo:  mais  exaustão  que emprego;  importa  extrair  do  tempo  sempre  mais  instantes  disponíveis  e  de  cada instante sempre mais forças úteis. O que significa que se deve procurar intensificar o uso  do  mínimo  instante,  como  se  o  tempo,  em  seu  próprio  fracionamento,  fosse inesgotável;  ou  como  se,  pelo  menos,  por  uma  organização  interna  cada  vez  mais detalhada,  se  pudesse  tender  para  um  ponto  ideal  em que  o  máximo  de  rapidez encontra o máximo de eficiência.

Ainda neste sentido, como o patrão usa a jornada de trabalho para absorver o corpo e as forças do trabalhador (FOUCAULT, 1987, p.183):
Como capitalizar o tempo dos indivíduos, acumulá-lo em cada um deles, em seus corpos, em suas forças ou capacidades, e de uma maneira que seja susceptível de utilização e de controle? Como  organizar  durações  rentáveis?  As  disciplinas,  que  analisam  o  espaço,  que decompõem  e  recompõem  as  atividades,  devem  ser  também  compreendidas  como aparelhos  para  adicionar  e  capitalizar  o  tempo.

No capítulo “A composição das forças” Foucault analisa o poder da disciplina sobre o corpo. Trata-se do mesmo poder que o detentor dos meios de produção detém sobre o trabalhador. Foucault vê a disciplina como forma de tornar útil cada indivíduo e rentável a formação e a manutenção do grupo, o que nos parece bem plausível na organização capitalista moderna em que se busca obter um máximo  de eficiência. Assim, a disciplina se torna uma estratégia para a composição das forças para obter um resultado eficiente (FOUCAULT, 1987, p.192):

Em resumo,  pode-se  dizer  que  a  disciplina  produz,  a partir  dos  corpos  que controla,  quatro  tipos  de  individualidade,  ou  antes uma  individualidade  dotada  de quatro características: é celular (pelo jogo da repartição espacial), é orgânica (pela codificação das atividades), é genética (pela acumulação do tempo), é combinatória (pela composição das forças). E, para tanto, utiliza quatro grandes técnicas: constrói quadros; prescreve manobras; impõe exercícios; enfim, para realizar a combinação das forças, organiza “táticas”.

A análise de Foucault é precisa e certeira. Ele vai além e dita as regras para o bom adestramento. No sistema capitalista a jornada de trabalho funciona também como locus de adestramento de corpos e mentes. Para Foucault (1987, p.228):
O poder  disciplinar  é  com  efeito  um  poder  que,  em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar  para  retirar  e  se  apropriar  ainda  mais  e  melhor. Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma  multiplicidade  de  elementos  individuais  —  pequenas  células  separadas, autonomias  orgânicas,  identidades  e  continuidades  genéticas,  segmentos combinatórios.

Outro aspecto que chama a atenção na análise acerca das dificuldades herméticas pela redução da jornada de trabalho diz respeito à perda do poder de vigilância que a classe burguesa ainda hoje exerce sobre o proletariado. É durante a jornada de trabalho (incluindo o homework) que a classe burguesa exerce seu poder disciplinar através da vigilância hierárquica, baseada num jogo de olhar (olhar físico ou mecânico, como nos trabalhos em rede). Esta vigilância produz poder e coerção. Foucault cita o acampamento militar como o apogeu da vigilância hierárquica
A jornada de trabalho produz um controle que funciona como um microscópio do comportamento; no espaço da jornada de trabalho pode-se descobrir toda vida do trabalhador. Está-se doente, se tem problemas financeiros, se tem problemas afetivos. Tudo através da observação, de registro e de treinamento.


Os supervisores e fiscais tornam-se peças fundamentais no sistema e, portanto um operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo  uma  peça  interna  no  aparelho  de  produção  e  uma  artimanha específica do poder disciplinar. Desta forma (FOUCAULT, 1987, p.202):
E se é verdade que sua organização piramidal lhe dá um “chefe”, é o aparelho  inteiro  que  produz  “poder”  e  distribui  os  indivíduos  nesse  campo permanente  e  contínuo.  O  que  permite  ao  poder  disciplinar  ser  absolutamente indiscreto,  pois  está  em  toda  parte  e  sempre  alerta,  pois  em  princípio  não  deixa nenhuma  parte  às  escuras  e  controla  continuamente  os  mesmos  que  estão encarregados  de  controlar;  e  absolutamente  “discreto”,  pois  funciona permanentemente  e  em  grande  parte  em  silêncio.

A jornada de trabalho é o espaço pleno do Panóptico[4] em que se induz no trabalhador num estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder, sendo essencial que ele se saiba vigiado.
A jornada de trabalho funciona como um mecanismo de vigilância patronal e “Nossa sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância” (FOUCAULT, 1987, p.240).
Encerrando este percurso de analogias, podemos citar a menção de Foucault acerca do poder disciplinar (FOUCAULT, 1987, p.244):
O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade específica do poder disciplinar, cujas fórmulas gerais, cujos processos de  submissão  das  forças  e  dos  corpos,  cuja  “anatomia  política”,  em  uma  palavra, podem ser postos em funcionamento através de regimes políticos, de aparelhos ou de instituições muito diversas.
Por fim, com o controle e dominação do corpo de do ser do trabalhador dentro da jornada de trabalho percebe-se a transformação do tempo da vida em tempo de trabalho (Foucault, 2001, p. 116).
É preciso que o tempo dos homens seja oferecido ao aparelho de produção; que o aparelho de produção possa utilizar o tempo de vida, o tempo de existência dos homens. É para isso e desta forma que o controle se exerce. São necessárias duas coisas para que se forme a sociedade industrial. Por um lado, é preciso que o tempo dos homens seja colocado no mercado, oferecido aos que o querem comprar, e comprá-lo em troca de um salário; e é preciso, por outro lado, que este tempo dos homens seja transformado em tempo de trabalho. É por isso que em uma série de instituições encontramos o problema e as técnicas da extração máxima do tempo.



6 Considerações finais

O presente trabalho não teve a pretensão de esgotar os assuntos tratados. Nosso objetivo foi buscar uma compreensão de um determinado ponto de vista acerca das dificuldades da redução da jornada de trabalho dentro do enfoque da obra Vigiar e Punir de Michel Foucault, abordando os conceitos de controle e disciplina. 
Considera-se que a tecnologia e o progresso que foram sendo disponibilizados para a humanidade não serão, sozinho, capazes de propiciar uma redução da jornada de trabalho.
            O modo de produção capitalista, que se sustenta dentre outros, do doutrinamento orgânico e involuntário da classe dominada surge como uma das explicações para a necessidade de se ter o empregado tanto tempo dentro da organização e servindo à ela.

A redução da jornada de trabalho é uma estratégia social de suma importância pois é uma via de melhoria de vida ao trabalhador, que passa a ter mais tempo para dedicar-se a atividades que não sejam moldadas pela lógica capitalista, e quem sabe, desenvolver um espírito crítico em relação ao mundo que lhe rodeia, ensejando, dentro do seu círculo, e depois em comunidades maiores, mudanças de vida, por uma sociedade mais humana. Estas reflexões são urgentes.

Luiz Chiozzotto
Sandra Oliveira Mayer Barros.



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[1] O regime de acumulação flexível foi integrado nas relações de produção e trabalho principalmente no Japão em que posteriormente foi teorizado cientificamente por TaiichiOhno e ganhou o nome de Toyotismo.
[2] Esta saturação seria amplamente explorada pelo paradigma Toyotista na esfera do “estoque zero” – kanban e just in time.
[3] A Sociedade do Lazer em substituição à Sociedade do Trabalho não ocorreu da forma prevista. O que se verifica é que a aludida Sociedade do Lazer, na verdade transmuta-se na Sociedade do Consumo.
[4] O panóptico de Bentham era um projeto arquitetônico de instituições disciplinares que utilizavam o olhar como instrumento de controle